índice
Resumo: A taipa de pilão é um sistema em que o solo, depois de preparado, é estabilizado por compactação. O processo consiste em colocar o solo preparado dentro de um molde reforçado e travado, para depois, compactar, quando suas partículas são reorganizadas minimizando os vazios entre elas. A qualidade do sistema está diretamente relacionada ao grau de compactação do material.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o uso do ultrassom no estudo do comportamento de corpos-de-prova de solo compactado em termos de isotropia e homogeneidade e na determinação de suas propriedades – módulo de elasticidade longitudinal (E), módulo de elasticidade transversal (G) e coeficiente de Poisson (ν).
Equipamentos de ultrassom são utilizados como fontes emissoras de sinais elétricos depois transformados em ondas mecânicas por meio de transdutores. O equipamento permite a obtenção da velocidade de propagação da onda utilizada para a determinação da matriz de rigidez que permite a obtenção dos parâmetros que caracterizam as propriedades do material. Também é possível avaliar a atenuação do sinal no material. A atenuação está diretamente relacionada à micro-estrutura, à presença de falhas ou heterogeneidades, ou à porosidade do material.
Neste trabalho, os diferentes resultados das velocidades em direções distintas indicaram que o solo compactado tem isotropia transversal. As atenuações apresentaram valores inferiores aos obtidos em materiais como a madeira e o concreto e superiores ao aço, indicando homogeneidade, quando comparado a materiais compostos ou com maior complexidade anatômica, mas maior porosidade quando comparado a um material metálico. O módulo de elasticidade obtido por ultrassom foi bem próximo ao obtido por meio do ensaio de compressão, mesmo considerando a simplificação de cálculo para material isotrópico. Os resultados das propriedades estão dentro de intervalo esperado para o material analisado e os erros de medição foram baixos, comprovando a adequação dos ensaios.
Introdução
A taipa de pilão ou painel monolítico é um dos diversos tipos de sistemas construtivos em terra (Hoffmann, 2002) onde o solo, depois de peneirado e, a depender do tipo de solo e do uso do painel, misturado com o estabilizante químico apropriado (Neves, 2005) é espalhado dentro de um molde e compactado até a massa específica ideal.
A evolução desse sistema construtivo acompanhou o desenvolvimento da história da técnica. Construções em terra são conhecidas há aproximadamente dez mil anos. As ruínas mais antigas foram encontradas no Norte da África. A técnica foi difundida por toda a Europa e, mais tarde, para a América. Foi com arquitetura de terra que as mais diversas civilizações construíram suas primeiras cidades. Hoje, conhecemos exemplos de monumentos em arquitetura de terra por todos os continentes, com as mais diversas soluções construtivas e expressões estéticas.
“A invenção da construção de terra é tão natural, no nosso entender, quanto o ato de uma criança fazer um castelo de areia. Tentar saber, portanto onde nasceu a construção de terra é quase como tentar saber onde nasceu o Homem”
Pinto (1993 p. 612)
No Brasil, a terra teve seu uso generalizado até o século XVIII (Oliveira, 2005). Muitas sedes de fazendas, principalmente durante o período colonial, foram construídas em taipa de pilão, adobe e pau a pique. Preservar esse patrimônio é uma obrigação de nossa época.
Além da necessidade de preservar o patrimônio construído, diversos centros de pesquisa como o CEPED, associações de profissionais como a ABCTerra e redes de pesquisa como a TERRABRASIL e a PROTERRA têm buscado ensinar, difundir e regularizar os sistemas em terra. Então fica clara a importância de um método de controle de qualidade do material, seja para averiguação do patrimônio histórico seja para verificação da obra contemporânea. Os ensaios não-destrutivos são perfeitamente indicados.
O ultrassom, como técnica para caracterização de materiais, teve início com aplicações em metais. Atualmente o uso foi diversificado em diversos materiais usados na construção civil como madeira, concreto e outros materiais a base de madeira ou compósitos. Esse tipo de aplicação é possível porque, por meio da propagação de ondas, pode ser obtida a matriz de rigidez do material (C). A inversa dessa matriz é a matriz de flexibilidade (S) que, por sua vez, é composta pelos parâmetros que caracterizam os materiais – o módulo de elasticidade longitudinal (E), o módulo de elasticidade transversal (G) e o coeficiente de Poisson (V). O desenvolvimento teórico que permitiu obter equações que correlacionam a velocidade de propagação de ondas de ultrassom em sólidos aos termos da matriz de rigidez foi realizado por Christoffel (Bucur, 2006).
Bucur (2006) apresenta resultados de muitas pesquisas relacionadas ao uso do ultrassom na determinação da matriz de rigidez da madeira e, conseqüentemente, na determinação dos parâmetros elásticos desse material, considerado ortotrópico. Giacon Jr (2009) e Giacon Jr et al. (2008) relatam a utilização da técnica na determinação da matriz de rigidez e dos parâmetros que caracterizam o concreto, considerado como material isotrópico.
Para a obtenção de resultados adequados é, porém, necessário que as condições do ensaio se aproximem, tanto quanto permiti a prática, das hipóteses estabelecidas para o desenvolvimento teórico. As equações de Christoffel foram desenvolvidas para meios infinitos e, para alcançar condições próximas dessa hipótese, é necessário que o comprimento de percurso da onda seja (ou a dimensão da peça a ser avaliada) seja algumas vezes maior que o comprimento de onda. Para isso, é necessário utilizar a freqüência adequada ao tamanho da peça a ser ensaiada (Trinca; Gonçalves, 2009).
O uso do método também permite que seja determinado se há diferença de comportamento do material conforme o eixo de carregamento. Materiais que respondem da mesma maneira para todos os eixos são chamados de isotrópicos, então se fala em determinar a isotropia do material. Para isso, utilizam-se relações entre velocidades nas diferentes direções da peça analisada (Bucur, 2006). Adicionalmente o estudo da atenuação do sinal pode oferecer informações a respeito da homogeneidade do material. Nesse caso, o que se avalia não é a velocidade de propagação da onda, mas sim a amplitude do sinal.
Dado o notável potencial de uso da terra em construção civil e dada a necessidade de conhecer tecnicamente uma cultura de construção milenar, para que se possam restaurar obras arquitetônicas de valor estético e histórico, este trabalho pretende apresentar, ainda que de forma preliminar, aporte técnico para aqueles que trabalham com arquitetura de terra, seja na preservação e restauração de monumentos construídos, seja na construção de novos edifícios. Para isso, o objetivo foi verificar a possibilidade de utilizar o método de propagação de ondas de ultrassom na caracterização da taipa de pilão.
Materiais e Métodos
Para a confecção dos corpos-de-prova foi usado um solo da região de Campinas, SP, caracterizado por Milani (2008). O solo foi definido como arenoso, com 33,3% menores que 0,075 mm e não plástico. Os corpos-de-prova foram moldados na umidade ótima de compactação determinada em 11,37%. A compactação foi feita pelo mesmo operador partindo do solo seco e peneirado, com dosador de água, o que limita bastante a variabilidade do sistema construtivo quando comparado às operações da obra. Foram seguidas as operações descritas na norma NBR 7182 para Proctor Normal. Depois de 7 dias de secagem à sombra, os corpos-de-prova foram pesados em balança de precisão e medidos com paquímetro eletrônico para determinar a massa específica do material.
As medições foram realizadas com dois equipamentos de ultrassom, um deles denominado USLab, produzido pela Agricef e desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisa do Laboratório de Ensaios Não Destrutivos (LabEND) da Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP e o outro da marca Panametrics, modelo Epoch4. Para os ensaios com o uso do Panametrics, foram utilizados transdutores longitudinais e transversais de faces planas e freqüência 1 MHz e para os ensaios com o uso do USLab, transdutores longitudinais de faces exponenciais e freqüência 45 kHz. As medições com os transdutores longitudinais e transversais de 1 MHz foram realizadas para a determinação da matriz de rigidez e as medições com os transdutores de 45 kHz para a avaliação do comportamento do material em termos de isotropia.
Os equipamentos foram calibrados antes do início de cada medição utilizando uma peça de acrílico, na qual a velocidade de propagação da onda é conhecida. Para evitar perdas e atenuações do sinal devido à presença de ar entre o transdutor de face plana e o corpo-de- prova, foi utilizada uma pasta de glicose como acoplante.
Os ensaios foram realizados em duas etapas. A primeira etapa, logo após 7 dias da moldagem dos corpos-de-prova, e a segunda etapa após 90 dias. Na primeira etapa foram realizadas as medições do tempo de propagação da onda com os transdutores de face plana com ondas longitudinais e transversais de 1 MHz, sempre na direção da compactação do corpo-de-prova (figura 1). Esse procedimento foi realizado porque o corpo-de-prova tem forma cilíndrica, dificultando o acoplamento nas laterais.
Com o uso do transdutor longitudinal, a onda se propaga e se polariza na mesma direção. Com o uso do transdutor de cisalhamento, a onda se propaga em uma direção e se polariza na direção perpendicular. De posse do tempo de propagação da onda (t), é possível determinar a velocidade utilizando a expressão dada em 1:
em que V é a velocidade de propagação da onda (m/s) e L é comprimento de percurso da onda (m) que, no caso desta pesquisa, é a altura do corpo-de-prova.
A partir das velocidades longitudinais e transversais obtidas no ensaio do corpo-de-prova, determinou-se a matriz de rigidez [C] considerando, de forma simplificada, a condição de isotropia.
A determinação de C11 é feita por meio da equação 2 e de C44 pela equação 3.
em que P é a massa específica e Vii é a velocidade obtida por meio do transdutor de onda longitudinal, por meio do qual a onda se propaga na direção i e polariza também na direção i.
em que Vij é obtida utilizando o transdutor de onda transversal, por meio do qual a onda se propaga na direção i e polariza na direção j, ou vice-versa.
De posse de C11 e C44 determina-se o valor de C12 por meio de (4)
O inverso da matriz de rigidez é a matriz de flexibilidade [C]-1 = [S] a qual está associada aos parâmetros de rigidez E, G e V
Desta forma foram obtidos os valores do módulo de elasticidade longitudinal (Eus), do módulo de elasticidade transversal (Gus) e do coeficiente de Poisson (Vus). A denominação “us” foi adotada para diferenciar os valores obtidos por meio do ultrassom dos obtidos por meio do ensaio de compressão (E).
Com este equipamento também foram realizadas medições de amplitude inicial (Ai) e final (Af) da onda e, com os resultados foram calculadas as atenuações (At) e os coeficientes de atenuação (α), utilizando (5) e (6).
em que L = comprimento de percurso da onda.
Na segunda etapa, para avaliar o comportamento do material em termos de isotropia os transdutores foram posicionados de tal forma que a onda percorresse o corpo-de-prova em três direções perpendiculares (figura 2). As medições dos tempos de propagação das ondas foram realizadas com três repetições em cada posição e, no caso das medições perpendiculares à altura (direção 1 e direção 2), em duas diferentes alturas.
O uso do transdutor de faces exponenciais permitiu que as medições fossem feitas até mesmo na parte curva do corpo-de-prova porque, nesse caso, a superfície (ponta) é pequena e permite, portanto, o acoplamento correto do transdutor.
De posse dos tempos de propagação das ondas, foram calculadas as velocidades nas três direções perpendiculares. A relação entre essas velocidades permitiu avaliar a anisotropia do material.
Para o caso do transdutor de 45 kHz, o comprimento de onda (λ) é de aproximadamente 25 mm. Então, na direção da compactação, o comprimento de percurso (120 mm) é cerca de 5 vezes o comprimento de onda e nas direções 1 e 2 (100 mm), cerca de 4 vezes o comprimento de onda. Para o transdutor de 100 kHz, usado na primeira etapa, o comprimento de onda é de aproximadamente 1 mm. Logo, o comprimento de percurso (125 mm) é aproximadamente 125 vezes o comprimento de onda. Dessa forma estaria garantida a condição teórica de meio infinito.
Após as medições de ultrassom, os corpos-de-prova cilíndricos foram capeados com solução de enxofre e foram ensaiados à compressão estática em máquina universal de ensaios da marca EMIC, de capacidade 300 kN. Na falta de norma específica foi utilizada a NBR 5739 (2007). Estes ensaios foram realizados para se determinar a resistência a compressão (fs) e o módulo de deformação tangente inicial (Esi) do solo.
Por meio do software da prensa, foram registradas as cargas e as deformações durante o ensaio, com as quais foram obtidas as tensões e as deformações específicas. Tendo em vista a grande deformabilidade desse material (trecho retilíneo muito reduzido), o cálculo do módulo de deformação não pôde ser realizado no trecho indicado para o concreto (0,5 MPa e 30% da tensão de ruptura). Utilizou-se, então, o método descrito por Milani (2008). A determinação do módulo de deformação tangente do solo compactado (Esi) foi realizada utilizando os dados de tensão x deformação correspondentes a 40% da resistência à ruptura.
Os resultados do módulo de deformação tangente inicial (Esi) obtido nos ensaios estáticos destrutivos foram comparados com os obtidos por meio do ensaio não destrutivo de ultrassom (Eus).
Resultados e Discussão
Os corpos-de-prova apresentaram pouca variabilidade da massa específica, como mostram os resultados da tabela 1.
As massas específicas dos corpos-de-prova estão abaixo dos valores médios encontrados em painéis de taipa de pilão, normalmente por volta dos 1800 kg/m3. Isso provavelmente se explica pela pouca energia de compactação usada na moldagem dos corpos-de-prova. Entretanto, o mais importante era atingir homogeneidade entre as massas específicas, para que os corpos-de-prova pudessem ser utilizados como repetições de uma mesma condição.
As médias e os erros padrões das velocidades longitudinais com os transdutores de 45 kHz e de 1MHz e das velocidades transversais com o transdutor de 1MHz são apresentados na Tabela 2. Esses resultados são provenientes de repetições de medição realizadas em um mesmo ponto do corpo-de-prova. Os resultados dos coeficientes de variação foram menores que 1%, confirmando o indicado por Bucur (2006) a respeito da precisão do método.
As velocidades obtidas das medições com o transdutor de 45 kHz (segunda etapa) foram superiores às obtidas com o transdutor de 1 MHz (primeira etapa). Tendo em vista que as velocidades de propagação de ondas de ultrassom são afetadas pela umidade, esse resultado pode estar associado à condição de umidade do corpo-de-prova na ocasião do ensaio, já que as medidas foram feitas com noventa dias de diferença.
Para a análise de solo compactado, Milani (2008) realizou ensaios de ultrassom e de compressão em corpos-de-prova cilíndricos de solo estabilizado. Os corpos-de-prova tinham 50 mm de diâmetro e 100 mm de altura e foram ensaiados utilizando transdutor longitudinal de face exponencial de 45 kHz. A massa específica obtida para o tratamento com solo estabilizado com 7% de cimento, após 7 dias de secagem, foi de 1913 kg/m3 e a velocidade foi de 2148 m/s, valores superiores aos obtidos nesta pesquisa com uso apenas de solo compactado.
Com as velocidades obtidas na primeira etapa e as equações 1 a 4, foram calculadas a matriz de rigidez dos três corpos-de-prova e, pela inversão dessa matriz, a matriz de flexibilidade, com a qual foram determinados os parâmetros de engenharia apresentados na Tabela 3. São apresentados também os módulos de elasticidade (Es) e a resistência (fs) obtidos no ensaio de compressão e os coeficientes de atenuação.
Os módulos de elasticidade do ensaio de ultrassom foram, em média, 18% menores do que aqueles obtidos por meio do ensaio de compressão. É importante lembrar que o ensaio de ultrassom utilizado para o cálculo do módulo de elasticidade foi feito na primeira etapa, com apenas 7 dias de secagem, e o ensaio de compressão foi realizado aos 90 dias. Considerando que a velocidade longitudinal aumentou em média 31% de 7 para 90 dias, é de se esperar que o módulo também tivesse crescimento.
Milani (2008) ensaiou mini painéis de solo-cimento- cinza de casca de arroz nas proporções 92,5% de solo, 7,5% de cinza e 10% de cimento. Os ensaios de ultrassom foram realizados aos 7 dias e o de compressão aos 180 dias. Nesse caso, Milani (2008) utilizou transdutores longitudinais e de cisalhamento de freqüência de 100 kHz e obteve os módulos de elasticidade (Eus e Gus) e coeficientes de Poisson (Vus) por meio da matriz de rigidez. Os valores obtidos foram Eus = 5726 MPa, Gus = 1162 MPa e us = 0,49. No ensaio de compressão dos corpos-de-prova a resistência aos 7 dias foi de 1,33 MPa e, no caso dos mini painéis, o valor de E foi 5616 MPa, aproximando-se muito dos obtidos por ultrassom.
Ferreira (2003) fez ensaio de ultrassom e compressão simples, com solos estabilizados com diversos tratamentos. Para os ensaios de ultrassom, o autor utilizou transdutores de faces planas e freqüência 45 kHz. A massa específica obtida aos 7 dias para o tratamento com 6% de cimento foi de 1880 kg/m3. A velocidade longitudinal foi de 1327 m/s aos 7 dias, para o solo compactado sem aglomerantes e de 1618 m/s para o solo estabilizado com 6% de cimento, valores esses muito inferiores aos de Milani (2008) e mais próximos aos obtidos nesta pesquisa. Aos 56 dias, a velocidade obtida por Ferreira (2003) no solo compactado foi de 1557 m/s, 17% superior à velocidade obtida aos 7 dias. Considerando os resultados obtidos neste trabalho, a velocidade aos 90 dias foi 31% superior às obtidas aos 7 dias. A resistência à compressão do solo compactado aos 7 dias, obtidos por Ferreira (2003) foi de 1,05 MPa. Tendo em vista que Ferreira (2003) realizou os ensaios utilizando somente transdutores de onda longitudinal, só foi possível a obtenção do coeficiente C11 da matriz de rigidez. É importante destacar que o coeficiente C11 da matriz de rigidez não é numericamente igual ao módulo de elasticidade, mas está associado a ele por meio do coeficiente de Poisson. Para a determinação do módulo de elasticidade por ultrassom é necessário a determinação de toda a matriz de rigidez e, para isso, os ensaios têm que ser realizados utilizando transdutores longitudinais e de cisalhamento.
Utilizando os dados médios de massa específica e de velocidade obtidos por Ferreira (2003), o valor de C11 obtido para solo compactado foi de 2430 MPa. No caso dessa pesquisa os valores de C11, foram 1847 MPa, 1665 MPa e 1646 MPa para os corpos-de- prova 1, 2 e 3, respectivamente.
Apesar de apresentar boa homogeneidade e ausência de falhas de compactação, uma vez que o processo foi controlado e os corpos não sofreram qualquer tipo de impacto ou carga, o que explica os valores de atenuação obtidos (tabela 3) é o fato de o solo compactado ser poroso. Os valores obtidos são inferiores aos obtidos para a madeira (1,0 dB/mm a 1,80 dB/mm na direção longitudinal) e para o concreto (0,54 dB/mm), mas muito superiores ao aço laminado (0,018 dB/mm), por exemplo. Considerando que a madeira apresenta grande variabilidade de elementos anatômicos em sua composição e que o concreto é um material composto, é esperado que tais materiais apresentem maiores atenuações do que o solo compactado. Por outro lado, o aço é um material homogêneo em termos de estrutura interna, como o solo compactado, no entanto é muito menos poroso, sendo esperados valores inferiores de atenuação.
Com os resultados dos tempos de propagação de ondas de ultrassom, obtidos segundo os métodos apresentados na segunda etapa, foram calculadas as médias e os desvios padrão das velocidades. Os resultados estão apresentados no gráfico da figura 3. Verifica-se que não houve diferença significativa (p ≥ 0,05) entre as velocidades perpendiculares ao eixo de compactação, qualquer que fosse a altura ou o sentido de medição, e que houve diferença significativa (p ≤ 0,05) para a velocidade média no sentido da compactação. A menor velocidade na direção de compactação provavelmente é causada pela zona de transição entre as camadas de solos no processo de moldagem. Esse resultado indica que o solo compactado apresenta isotropia transversal. Resultado semelhante foi também obtido por Milani (2008) para solos estabilizados. Essa autora obteve velocidades de 2618 m/s e 2581 m/s para as direções perpendiculares à compactação e 1880 m/s na direção de compactação.
Conclusões
Os resultados de velocidades em diferentes direções indicaram que o solo compactado tem isotropia transversal.
As atenuações apresentaram valores inferiores aos obtidos em materiais como madeira e concreto e superiores aos do aço, indicando homogeneidade quando comparado a materiais compostos ou com maior complexidade anatômica, mas porosidade maior quando comparado a um material metálico.
O módulo de elasticidade obtido por ultrassom foi bem próximo do obtido por meio do ensaio de compressão, mesmo considerando a simplificação de cálculo para material isotrópico. Os resultados das propriedades estão dentro de intervalo esperado para o material analisado e os erros de medição foram baixos, comprovando a adequação dos ensaios.
Tendo em vista a conclusão de que o material apresenta isotropia transversal, o tratamento da matriz de rigidez para essa condição teria permitido a obtenção de resultados ainda mais adequados do que com a simplificação que foi realizada, que tratou o solo compactado como se fosse isotrópico.
Referencias Bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de NORMAS TÉCNICAS (2007). NBR 5739: Concreto – Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, ABNT.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de NORMAS TÉCNICAS (1986). NBR 7182: Solo – Ensaio de compactação. Rio de Janeiro: ABNT.
BUCUR, Voichita, (2006). Acoustics of Wood. New York: Editora Springer Verlage.
FERREIRA, R. C. (2003). Desempenho físico-mecânico e propriedades termofísicas de tijolos e mini-painéis de terra crua tratada com aditivos químicos. Tese (doutorado), Campinas: Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas.
GIACON JR., M.; LOPES, I. M.; GONÇALVES, R.; MAGALHÃES, P. S. G. (2008). Concrete characteri zation with ultrasond testing. In: International Conference on Agricultural Engineering, 2008, Foz do Iguaçu. Proceedings, v. 1.
GIACON JR, M. (2009). Propagação de ondas de ultrassom em protótipos de postes tubulares de concreto armado. Dissertação (Mestrado). Campinas: Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas.
HOFFMANN, M. V. (2002). Efeito dos argilo-minerais do solo na matéria prima dos sistemas construtivos com solo cal. Dissertação (Mestrado). Salvador: Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia.
MILANI, A.P.S. (2008). Avaliação física, mecânica e térmica do material solo cimento-cinza de casca de arroz e seu desempenho como parede monolítica. Tese (doutorado). Campinas: Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas.
NEVES, Célia et al. (2009). Seleção de solos e métodos de controle em construção com terra: Prática de campo. Rede Ibero-americana PROTERRA. Disponível em http://www.redproterra.org.
OLIVEIRA, Mário Mendonça de (2005). O solo-cal: uma visão histórica e documental. In: IV Seminário Ibero-Americano de Construção com Terra, 4. e Seminário Arquitectura de Terra em Portugal, 3.. Anais… Lisboa: ARGUMENTUM / Escola Superior Gallaecia,. p.106-109.
PINTO, Fernando (1993). Arquitetura de terra – que futuro?. In: Anais da 7a Conferência Internacional sobre o Estudo e Conservação da Arquitectura de Terra. Silves: DGEMN. p.612-617.
TRINCA, A. J; GONÇALVES, R. (2009). Efeito da dimensão e da freqüência sobre a determinação da velocidade de propagação de ondas de ultrassom na madeira. Revista Árvore, Viçosa, MG, V.33, n.1, p.177-184.
Autores
Márcio V. Hoffmann é Arquiteto, Mestre em Preservação e Restauração de Patrimônios Históricos pela UFBA, membro da Rede Ibero-americana PROTERRA e da Rede TerraBrasil, associado ao ABCTerra e sócio do escritório FATO arquitetura Ltda. onde atua como coordenador de projetos.
Raquel Gonçalves é Engenheira Civil, Professora Associada da Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), coordenadora de grupo de pesquisa em ensaios não destrutivos aplicados a materiais e estruturas e chefe do Laboratório de Ensaios Não Destrutivos (LabEND) da FEAGRI/UNICAMP.