12o Conferência sobre Tecnologia de Equipamentos

SINOPSE: A intervenção necessária para inspeções em construções realizadas com solo compactado apresenta-se como campo de domínio multidisciplinar, congregando áreas e profissionais de formações diversificadas. A elaboração de laudos técnicos para estas inspeções exigem pesquisas e abordagens em diversas áreas, como arqueologia da arquitetura, história, tecnologia da construção, tecnologia dos materiais, ciências aplicadas, ensaios destrutivos e não destrutivos. Como a inspeção dessas construções necessita minimizar as intervenções, o emprego de ensaios não destrutivos de propagação de ondas de ultrassom pode ser uma ferramenta eficiente para a preservação do patrimônio histórico. Esse trabalho teve como objetivo caracterizar e avaliar material oriundo de obras atuais, executadas com solo cimento compactado, para determinar a precisão do ensaio de ultrassom nesse material. Optou-se por obras recentes por ser possível saber o tipo de solo e o traço utilizados, fatores esses que podem interferir nos resultados. Para tanto, foram realizados ensaios de ultrassom e de caracterização física e mecânica em 19 corpos de prova cilíndricos de 50 mm de diâmetro e 100 mm de altura para 4 tipos de traço (Testemunho; 1:8; 1:12; 1:16 e 1:20). Os resultados indicaram que o ensaio de ultrassom permitiu inferir as propriedades de resistência e de elasticidade do solo compactado bem como detectar diferenças de propriedades de resistência e de elasticidade nos corpos de prova dos diferentes traços, o que permite concluir que a técnica pode ser utilizada em inspeções, indicando diferentes condições do material.

Introdução

A análise de materiais com técnicas não destrutivas de ultrassom já é consagrada para alguns materiais da construção civil, como o aço, o concreto e a madeira. Entretanto, o material solo ainda carece de pesquisas sobre o uso dessa técnica. Este tipo de ensaio pode ser muito importante em construções de terra atuais e também nas que foram reconhecidas como patrimônio histórico e necessitam de restaurações, propiciando intervenções mínimas durante a avaliação estrutural.

No caso de construções antigas, a utilização de ensaios não destrutivos é mais complexa devido à falta de informações sobre as mesmas, como a técnica construtiva utilizada, o material utilizado e o dimensionamento teórico.
A partir destas dificuldades, iniciaram-se pesquisas para desenvolver metodologia eficaz e segura de ensaios não destrutivos que consiga determinar, com segurança, o estágio de degradação de elementos construtivos de terra compactada (taipa, adobe, pau a pique). Uma das técnicas não destrutivas estudadas é a propagação de ondas de ultrassom, que possibilita correlacionar propriedades elásticas de materiais sólidos com a velocidade de propagação de ondas longitudinais e transversais (1).

Um estudo comparativo entre as propriedades mecânicas de solo-cimento compactado com cinza de casca de arroz obtidas por meio de ensaios destrutivos (compressão axial) e ensaios não destrutivos (ultrassom) indicaram excelente correlação entre as duas técnicas de ensaio (2).

Análise de diferentes ensaios não destrutivos (ultrassom, pacometria e infravermelho) em paredes de edificações antigas construídas com pedra e terra mostrou que a técnica de ultrassom foi a mais eficiente, por apresentar melhor correlação com a resistência mecânica obtida de forma destrutiva (3).

Para a obtenção de resultados adequados com o ensaio de ultrassom é necessário que as condições do ensaio se aproximem, tanto quanto permite a prática, das hipóteses estabelecidas para o desenvolvimento teórico. As equações de Christoffel foram desenvolvidas para meios infinitos e, para alcançar condições próximas dessa hipótese, é necessário que o comprimento de percurso da onda (ou a dimensão da peça a ser avaliada) seja algumas vezes maior que o comprimento de onda. Para isso, é necessário utilizar a frequência adequada ao tamanho da peça a ser ensaiada (4).

O uso do método também permite que seja determinado se há diferença de comportamento do material conforme o eixo de carregamento. Materiais que respondem da mesma maneira para todos os eixos são chamados de isotrópicos. Para avaliar a característica de isotropia dos materiais podem ser utilizadas relações entre velocidades nas diferentes direções da peça analisada (5). O solo é considerado como material isotrópico (2).

Esse tipo de aplicação é possível porque, por meio da propagação de ondas, pode ser obtida a matriz de rigidez do material (C). A inversa dessa matriz é a matriz de flexibilidade (S) que, por sua vez, é composta pelos parâmetros que caracterizam os materiais – o módulo de elasticidade longitudinal (E), o módulo de elasticidade transversal (G) e o coeficiente de Poisson (). O desenvolvimento teórico que permitiu obter equações que correlacionam a velocidade de propagação de ondas de ultrassom em sólidos aos termos da matriz de rigidez foi realizado por Christoffel (5).

Portanto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar traços de solo-cimento compactado e verificar a precisão do ensaio de ultrassom para determinar as constantes elásticas deste material.

Material e Métodos

Para este trabalho foram estudados 4 traços de solo:cimento (1:8; 1:12; 1:16 e 1:20) indicados por profissionais que trabalham com este material e técnica construtiva e um traço testemunho, isto é, sem cimento Portland (Tabela 1). Utilizou-se cimento Portland CPV-ARI e solo com características visuais de material arenoso. Para caracterização destes materiais foram realizados os ensaios de granulometria conjunta (6) e massa específica dos sólidos (7).

Tabela 1 – nomenclatura dos traços
Tabela 1 – nomenclatura dos traços

A determinação da umidade ótima e da massa específica aparente seca máxima dos traços definidos anteriormente (Tabela 1) foi realizada conforme método de compactação Proctor Normal (8). A partir dos dados obtidos neste ensaio foram moldados 19 corpos de prova cilíndricos de 50 mm de diâmetro e 100 mm de altura (4 para cada traço com adição de cimento e 3 para o traço sem adição de cimento). Para moldar os corpos de prova nestas dimensões utilizou o método de compactação adaptado de (2), mantendo-se a umidade ótima e massa específica aparente seca máxima. Os corpos de prova foram submetidos aos ensaios de ultrassom e de compressão simples com determinação do módulo de elasticidade (9) após 7 dias de cura.

O ensaio de ultrassom foi realizado com 2 tipos de equipamentos:

  • USLab (Agricef, Brasil) com transdutores longitudinais de faces exponenciais de 45 kHz de frequência (Figura 1);
  • Epoch 4 (Panametrics, EUA) com transdutores longitudinais e transversais de faces planas de 1 MHz de frequência (Figura 2).

Estes dois equipamentos foram disponibilizados pelo Laboratório de Ensaios não destrutivos da Feagri-Unicamp (LabEND).

Figura 1 – Equipamento de ultrassom USLab
Figura 1 – Equipamento de ultrassom USLab
Figura 2 – Equipamento de ultrassom Epoch 4
Figura 2 – Equipamento de ultrassom Epoch 4

Com os dados obtidos com o equipamento USLab determinou-se a velocidade da onda ultrassônica longitudinal (Equação 1) e o coeficiente de rigidez dos traços de solo-cimento (Equação 2). Estes parâmetros foram correlacionados com o módulo de elasticidade estático e com a resistência à compressão determinados no ensaio de compressão simples.

Onde:
V: velocidade da onda ultrassônica (m/s);
L: comprimento do corpo de prova (mm);
t: tempo de propagação da onda de ultrassom no corpo de prova (μs).

Onde:
CLL: coeficiente de rigidez (MPa);
ρ: densidade aparente do solo compactado (g/cm3);

Com o equipamento de ultrassom Epoch 4 determinou-se o tempo de propagação de ondas das ondas longitudinais e de cisalhamento nos traços estudados com transdutores de 1000 kHz de frequência. Com estes dados foram determinadas as matrizes de rigidez e de flexibilidade e, consequentemente, as constantes elásticas (E, G e V).

Os mesmos corpos de prova foram submetidos ao ensaio de compressão simples com determinação do módulo de elasticidade estático (Figura 3). Para este ensaio utilizou-se uma prensa de CBR motorizada (Solotest, Brasil) com capacidade máxima de 0,5 kN, com determinação do deslocamento em mm e velocidade de aplicação de carga de 0,75mm/min.

Figura 3 – Prensa de CBR utilizada no ensaio de compressão simples
Figura 3 – Prensa de CBR utilizada no ensaio de compressão simples

Resultados e Discussão

A curva granulométrica da amostra de solo utilizada neste trabalho pode ser visualizada na figura 4. O solo foi classificado como A-2-4 (AASHTO), material não plástico, ideal para aplicação em solo-cimento (2). Para a massa específica dos sólidos obteve-se o valor de 2670 kg.m-3.

Figura 4 – Curva granulométrica da amostra de solo
Figura 4 – Curva granulométrica da amostra de solo

Os traços não apresentaram variação significativa nos resultados de umidade ótima e de massa específica aparente seca máxima (Tabela 2).

Tabela 2 - Dados obtidos no ensaio de Proctor Normal adaptado
Tabela 2 – Dados obtidos no ensaio de Proctor Normal adaptado

Os valores de resistência à compressão, obtidos em ensaio estático (Tabela 3) apresentaram valores coerentes com a porcentagem de cimento de cada traço, sendo maior para o traço A (1:8) e menor para o traço referência T (sem cimento).

No entanto, os valores de módulo de elasticidade obtidos com o ensaio estático tiveram que ser desprezados, pois o ensaio estático não foi adequado para a sua determinação. Houve dificuldade para se estabelecer o trecho elástico nas curvas tensão x deformação específica para que o módulo de elasticidade fosse determinado. Além disso, depois de certo nível de carregamento a compactação fez com que o material apresentasse outro comportamento, que já não poderia ser considerado como o mesmo material ensaiado por ultrassom, tornando a comparação difícil.

Tabela 3 - Resultados médios de resistência à compressão (Rc)
Tabela 3 – Resultados médios de resistência à compressão (Rc)

As velocidades das ondas longitudinais de ultrassom e seus correspondentes coeficientes de rigidez (Equação 2), obtidos utilizando os dois tipos de equipamento (Tabela 4), apresentaram resultados coerentes com os esperados, sendo menores no traço de referência (sem cimento) e maiores no traço com a maior quantidade de cimento (traço A). Embora os valores de velocidade não tenham sido numericamente iguais, a correlação entre eles apresentou coeficiente R = 0,99.

Os valores de velocidade longitudinais (Tabela 4) foram compatíveis, em ordem de grandeza, com o valor médio de obtido por (10) com o uso do transdutor de 45 kHz de frequência (1379 m.s-1) e de 1 MHz (1049 m.s-1), considerando os corpos de prova sem adição de cimento (traço T). As velocidades longitudinais (2148 m.s-1) obtidas com solo estabilizado com 7% de cimento e transdutores de 45 kHz (2) foram da ordem de grandeza das obtidas com o traço D nesta pesquisa.

Tabela 4 – Valores médios de velocidade de propagação da onda de ultrassom (Vm), massa específica aparente (pm) e o coeficiente de rigidez (CLLm) obtidos com o equipamento de ultrassom USLab.
Tabela 4 – Valores médios de velocidade de propagação da onda de ultrassom (Vm), massa específica aparente (pm) e o coeficiente de rigidez (CLLm) obtidos com o equipamento de ultrassom USLab.

O uso de apenas a velocidade longitudinal ou do coeficiente de rigidez obtido com a velocidade longitudinal não permite o cálculo exato dos parâmetros elásticos (módulos de elasticidade longitudinal e de cisalhamento e coeficiente de Poisson), mas permitem a determinação da correlação entre eles. Caso a correlação seja estatisticamente adequada, pode ser utilizada posteriormente em inspeções. No caso desta pesquisa as correlações foram significativas (P-valor < 0,05) e com coeficientes de correlação (R) elevados, para os dois equipamentos. Como esperado as melhores correlações foram obtidas com o uso do coeficiente de rigidez como parâmetro. O valor de R levemente superior para o equipamento Panametrics pode estar relacionado com a frequência do transdutor utilizado (1 MHz), que apresenta maior sensibilidade à detecção de pequenas variações estruturais no material em função do menor comprimento de onda. Além disso, o menor comprimento de onda permite maior numero de ondas percorrendo o material e, portanto, mais proximidade com a hipótese de meios infinitos.

As correlações entre Rc x V e Rc x CLL nos corpos de prova compactados pelo método do Proctor Normal, apresentaram coeficientes de correlação entre 0,91 e 0,98 (Tabela 5). Estes valores foram maiores que o encontrado por (10), que obteve valor de 0,83 na sua pesquisa para corpos de prova de solo compactado sem cimento.

Tabela 5 - Correlações entre resistência a compressão (Rc) obtida em ensaio estático e velocidade (V) e coeficiente de rigidez (CLL) obtidos em ensaio de ultrassom.
Tabela 5 – Correlações entre resistência a compressão (Rc) obtida em ensaio estático e velocidade (V) e coeficiente de rigidez (CLL) obtidos em ensaio de ultrassom.

A inversão da matriz de rigidez, obtida por meio dos valores de velocidades longitudinal e transversal (equipamento Epoch4), permitiu o cálculo da matriz de flexibilidade e, com ela, foram determinados os módulos de elasticidade longitudinal (E), transversal (G) e o coeficiente de Poisson (V) para cada um dos traços (Tabela 6).

Tabela 6 – Valores do módulo de elasticidade longitudinal (Eus) e transversal (Gus) e coeficientes de Poisson (Vus) obtidos por ultrassom para os diferentes traços ensaiados (T, A, B, C, D).
Tabela 6 – Valores do módulo de elasticidade longitudinal (Eus) e transversal (Gus) e coeficientes de Poisson (Vus) obtidos por ultrassom para os diferentes traços ensaiados (T, A, B, C, D).

Infelizmente não foi possível comparar os resultados do módulo de elasticidade obtido por ultrassom com os obtidos no ensaio de compressão estática. No entanto observa-se que também houve coerência com a condição dos corpos de prova. Os módulos de elasticidade (longitudinal e transversal) foram crescentes do traço sem cimento (T) para o traço com a maior quantidade de cimento (A).

Os módulos de elasticidade do ensaio de ultrassom (1144 MPa) foram, em média, 18% menores do que aqueles obtidos por meio do ensaio de compressão (1349 MPa) no trabalho de (9). Esses valores foram da mesma ordem de grandeza dos obtidos neste trabalho para o traço sem adição de cimento (T). No trabalho (10) o valor médio de GUS obtido por ultrassom foi de 429 MPa e o coeficiente de Poisson de 0,33; valores menores do que os obtidos nesta pesquisa, mas de ordem de grandeza compatíveis.

No caso de (2), para mini-painéis de solo compactado com adição de 13% de cimento Portland os valores obtidos foram EUS = 5726 MPa, GUS = 1162 MPa e US = 0,49, também compatíveis com os solos com adição de cimento. Destaca-se que essa autora obteve valor de E = 5616 MPa em ensaio estático de compressão, mostrando a adequação da ordem de grandeza dos resultados.

Conclusões

O ensaio de ultrassom permitiu inferir as propriedades de resistência e de elasticidade do solo compactado. Essa conclusão pode ser obtida considerando as correlações dos parâmetros obtidos por ultrassom com a resistência obtida no ensaio de compressão estática. No caso das propriedades elásticas, embora não tenha sido possível comparar com as obtidas em ensaio estático, os valores obtidos por ultrassom foram compatíveis com as propriedades de solos compactados obtidos por outros autores.

O ensaio de ultrassom permitiu detectar diferenças de propriedades de resistência e de elasticidade nos corpos de prova dos diferentes traços, o que permite concluir que a técnica pode ser utilizada em inspeções, indicando diferentes condições do material.

Referências Bibliográficas

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Autores

Gisleiva C. Ferreira – Profa. Dra. Faculdade de Tecnologia – Unicamp

Raquel Gonçalves – Profa. Dra. Faculdade de Engenharia Agrícola – Unicamp

Marcio Hoffman – Arq. e Urbanista – Fato Arquitetura

Wélida de Sousa Sarro – Aluna de graduação – FT – Unicamp

André Campanholi – Tecnólogo – Feagri – Unicamp