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IV CONGRESSO DE ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO COM TERRA NO BRASIL
Introdução e justificativa: O processo de produção das paredes de taipa de pilão tem características favoráveis às questões ambientais discutidas no setor da construção civil, e vem, cada vez mais, sendo adotado como solução construtiva em diversos projetos.
Desenvolver esta tecnologia com base na redução do desperdício e no ganho da produtividade pode ser favorável para que o mercado da construção civil faça uso dessa tecnologia com bom desempenho.
Contudo, o mercado da construção ainda carece de mecanismos para avaliar o desempenho das paredes de taipa, cujas variáveis são muitas.
Esse artigo analisa, durante a etapa de preparação do traço, as interferências do tipo de processo de mistura – manual ou mecanizado – no desempenho da parede, considerando alguns dos critérios estabelecidos pela norma de desempenho NBR 15.575, visando a melhoria contínua do processo.
Método de Pesquisa: Em um estudo de caso, durante a execução da obra de um edifício comercial foram identificados os pontos críticos e feitas as medições e controles de cada etapa do processo de produção identificados na literatura. Então foi analisada a etapa de preparação do traço como célula de trabalho comparando o processo de mistura mecanizado com o manual.
Foram abordados os aspectos de produtividade (nivelamento da produção) e os custos (mão de obra, tempo e equipamento), além de uma análise sobre a percepção dos usuários (construtor, mão de obra e usuário) com base nos requisitos da norma de desempenho NBR 15.575.
Discussão: As diferenças observadas mostraram-se relevantes para os agentes envolvidos. Sendo assim entendemos ser importante aprofundar os estudos sobre o processo de produção das paredes de taipa, para poder definir em projeto e aplicar na obra, especificações e procedimentos que possam garantir um mínimo estabelecido de desempenho das paredes.
Introdução
A partir da década de 70, com a necessidade de suprir o déficit habitacional brasileiro, observou-se o surgimento de novos sistemas construtivos como alternativas aos produtos e processos tradicionais até então utilizados, visando principalmente à racionalização e industrialização da construção (Gonçalvez, John, Picchi, Sato, 2000).
Hoje, a indústria da construção civil busca nas tecnologias, além da racionalização e da industrialização, soluções que visam o menor impacto ambiental e social. Sendo assim novos sistemas construtivos, materiais e componentes continuam surgindo como alternativas. Contudo é necessário saber como avaliar esses produtos oferecidos ao mercado da construção civil, para não ocorrer o mesmo problema do passado, quando o desenvolvimento foi insuficiente deixando os usuários com os custos das manutenções e das patologias que surgiram nas construções.
Outro reflexo com relação as experiências negativas do passado, é que hoje a indústria da construção civil se mostra mais exigente no emprego das inovações tecnológicas. Sendo assim os pesquisadores e empreendedores precisam investigar mais a fundo seusprocessos e produtos, para alcançar o máximo de desenvolvimento possível e atingir o melhor desempenho nos requisitos estabelecidos pelo setor da construção civil.
Gonçalvez, John, Picchi e Sato (2000) definem a palavra “desempenho” como sendo o comportamento do produto em uso. Assim avaliar o desempenho de um produto implica definir qualitativa e/ou quantitativamente quais as condições que estão sendo satisfeitas por ele quando submetido às condições normais de uso e quais os métodos para avaliar se as condições estabelecidas foram atendidas.
Segundo Borges e Sabattini (2008), a abordagem de desempenho, conforme o próprio conceito define cobrar resultados e não as maneiras de como atingi-lo, e por esta razão, exige um maior comprometimento dos construtores na geração dos resultados desejados. Isto significa que além das normas prescritivas e de desempenho, um fator muito importante são os meios de controle para atingir os resultados desejados.
Algumas universidades no Brasil tem estudado a tecnologia de construção com taipa. Entretanto o foco principal destes estudos é sobre a análise e qualidade dos materiais. Além disso, muitos estudos sobre as construções de taipa estão voltados para a área recuperação de patrimônios históricos ou habitações de interesse social. Então, pouco se tem noticia de trabalhos que estudem a produtividade e o desempenho dessa técnica. Todavia é sabido que a construção com taipa caiu em desuso pelo aparecimento de outros sistemas construtivos que se mostraram mais eficientes.
Fica clara a necessidades de desenvolver estudos voltados ao processo de produção das paredes de taipa e como torná-lo eficiente no atual cenário da construção civil.
Aspectos do Processo de Produção em Análise
O processo de produção da taipa pode ser dividido em 4 etapas: preparação do traço; montagem das formas; compactação do solo, e desmontagem das formas.
É fato que a preparação correta do traço resulta em um painel mais resistente e durável. O traço depende do tipo de terra disponível na jazida escolhida e das condições colocadas como necessárias para que a parede de taipa atinja o desempenho estabelecido. Portanto é de suma importância definir as características e condições de uso das paredes, para, junto com a análise do tipo de solo, poder definir o traço.
As atividades que compreendem a preparação do traço são:
- Escolha da jazida: o local donde será retirada a terra para construção das paredes de taipa deve ser o mais próximo do canteiro de obras. Deve-se retirar uma amostra do solo e fazer uma análise físico-química para conhecer as características do solo disponível. O solo deve estar limpo de matéria orgânica.
- Determinação da dosagem ou traço: necessário saber as características físico- químicas da terra disponível e as especificações técnicas da parede – determinadas em projeto – que se pretende construir. Assim é possível definir as quantidades de aglomerantes necessários, a umidade ótima e o nível de compactação para atingir a estabilidade desejada.
- Mistura dos materiais: pode ser feito manualmente ou com auxílio de equipamentos mecânicos. Deve ser feita de modo a deixar a terra homogênea. A homogeneidade da mistura é um requisito que reflete no desempenho da parede de taipa. Durante a execução da mistura é necessário controlar o teor de umidade para compactar o solo.
- Transporte da mistura: pode ser feito manualmente ou com auxílio de equipamentos mecânicos. Normalmente o transporte é feito com baldes e carriolas, mas já observamos em algumas obras a utilização de esteiras rolantes e também a utilização de máquinas tipo pá carregadeira. A determinação do tipo de transporte é de responsabilidade da empresa construtora, a fim de obter a produtividade e a qualidade dos trabalhos necessária.
Sabido que o desempenho das paredes de taipa tem relação direta com seu processo de produção, percebeu-se a necessidade de detalhar essa influência, identificando os fatores do processo de produção que refletem diretamente no desempenho, tomando como base os requisitos da norma NBR 15.575.
Dentre as possíveis relações entre o processo de produção e o desempenho, este trabalho analisa as interferências da diferença entre a mistura mecanizada e a manual na etapa de preparação do traço.
Método
O método adotado consiste no estudo de caso da obra de uma edificação comercial com função administrativa, localizado em área rural no sul do Estado de São Paulo, região de clima temperado úmido, onde foram projetados e construídos 140 m2 de paredes de taipa de pilão com espessura de 45 cm e altura de 270 cm. O volume de terra utilizado foi de 100 m3. O mapa do canteiro com a planta das paredes de taipa é esquematicamente apresentada na figura 1.
Para a análise foram escolhidas duas paredes, denominadas neste artigo de parede “A” e parede “B”, executadas com diferentes processos de produção, conforme mostrado na tabela 1.
A principal diferença entre os processos de produção (ressaltada em cor cinza na tabela 1) foi na atividade de preparação do traço: a parede “A” foi mecanizada e a parede “B” foi manual. As paredes acabadas são mostradas nas figuras 1 e 2. O solo e o traço são os mesmos, assim como o procedimento de compactação (compactador pneumático), o sistema de fôrmas e a equipe de operários.
A tabela 2 mostra quantitativamente uma análise comparativa da produtividade, do custo e do benefício na atividade de preparação do traço das duas paredes estudadas.
A parede “A” foi mais econômica do que a parede “B”. O benefício da parede “A” está no resultado final da parede e o benefício do processo da parede “B” está na utilização de menor quantidade de energia, porém este foi minimizado pela insatisfação do usuário relativa ao desconforto visual no resultado final. É possível verificar que a produtividade da parede “A” foi superior quantitativamente e qualitativamente em relação a parede “B”.
Ainda é possível notar na tabela 3, através da análise do nivelamento da produção, que o processo de produção da parede “A” foi mais eficiente, com menos desperdício em intervalo de atividade do que o processo da parede “B”. Assim, o processo de produção da parede “A” mostrou-se ser mais produtivo que o processo da parede “B”.
Além dos aspectos da produtividade, também foi feita uma análise de caráter exploratória sobre a percepção dos usuários com a tecnologia, desde o construtor, a mão de obra e o usuário, como mostra a tabela 4.
No requisito produtividade para o construtor a parede “A” foi mais eficiente por ter sido executada mais rapidamente, sendo assim este ficou satisfeito.
No requisito construtibilidade para a mão de obra a parede “A” foi mais eficiente, o uso de equipamento mecanizado minimiza o esforço físico, sendo assim este ficou satisfeito.
No requisito acabamento para o usuário a parede “A” foi mais eficiente, a uniformidade e homogeneidade do acabamento da parede deixou o usuário mais satisfeito.
É notável que a mecanização do processo melhore os aspectos da velocidade da produção, do esforço de trabalho e da qualidade do acabamento, deixando assim todos os agentes envolvidos, no processo de produção, satisfeitos.
Discussões
Identificando no processo de produção as atividades que refletem diretamente no desempenho da parede é possível avaliar corretamente o resultado e melhorar a qualidade da construção de taipa de pilão.
As patologias identificadas em edifícios tem origem primeiramente no projeto, depois na execução das obras e finalmente nos materiais e manutenção. Assim especificar bem as características em projeto, bem como conhecer e controlar seu processo de produção pode colaborar para o bom desempenho das paredes de taipa.
No intuito de contribuir para futuras análises das construções em taipa, foi feita uma análise com base em alguns requisitos das diretrizes da norma NBR 15.575.
No requisito de estabilidade foi possível notar que a parede “A” tem maior resistência a abrasão por ter uma superfície mais lisa e vitrificada. A parede “A” tem quinas mais resistentes e maior resistência ao impacto de corpo mole.
No requisito de segurança em uso as duas paredes se mostraram com mesmo comportamento, não houve nenhum sinal de desmanche ou colapso das paredes.
No requisito visual é possível notar as maiores diferenças, no aspecto da textura da parede, onde a parede “A” é mais uniforme e a parede “B” é mais pigmentada. Na coloração a parede “A” é mais uniforme e a parede “B” é mais variada. Na superfície a parede “A” tem maior lisura e na parede “B” surgiram algumas bicheiras.
Na superfície das paredes também tem reflexo na análise táctil, onde a parede “A” apresenta superfície lisa e a parede “B” a superfície é mais áspera.
Com relação a durabilidade das paredes podemos esperar que a parede “A” sofra menos com a agressão de agentes externos por ter a superfície menos porosa.
No aspecto econômico a manutenção da parede “B” requer maior consumo do produto consolidante que é aplicado na superfície, por esta ser mais porosa.
A experiência prática no canteiro de obras mostrou claramente as diferenças entre o trabalho com processo manual e mecanizado. Não havia a expectativa de que as diferenças seriam tão marcantes e ao final da obra foi possível discutir essas diferenças entre o usuário e a mão de obra.
O processo de produção mecanizado se mostrou mais eficiente, mas ainda sim é possível executar uma obra sem o emprego de equipamentos mecanizados. A discussão que se pretende com este trabalho é de identificar um método ou mecanismo para se avaliar o desempenho das paredes de taipa de pilão. Assim tanto no processo mecanizado quanto manual, os agentes envolvidos podem ter ferramentas para especificar e estabelecer quais os critérios e as características que as paredes devem atingir.
Referências Bibliográficas
Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15.575. Desempenho do edifício.
BORGES, C.A.M.; SABBATINI, F.H. (2008). O conceito de desempenho de edificações e a sua importância para o setor da construção civil no Brasil. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, Departamento de engenharia da construção civil. São Paulo.
Gonçalvez, O.M.; John, V.M.; Picchi, F.A.; Sato, N.M.N. (2000). Normas técnicas para avaliação de sistemas construtivos inovadores para habitação. Coletânea Habitare, vol. 3. Normalização e Certificação na Construção Habitacional.
SIMÕES, J.R.L. (2004). Patologias: origem e reflexos no desempenho técnico-construtivo do edifício. Tese (livre docência em arquitetura). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP, São Paulo.
Sistema Nacional de Avaliação Técnica. SINAT.
HEISE, A. F. (2004). Desenho do processo e qualidade na produção do painel monolítico de solo-cimento em taipa de pilão. Dissertação (Mestrado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas.
Autores
André Falleiros Heise, arquiteto, mestre em Engenharia Civil pela Unicamp, membro da Rede Iberoamericana PROTERRA e da Rede TerraBrasil, associado do ABCTerra, proprietário da HEISE arquitetura e sócio da TAIPAL construções em terra.
Fernando Cesar Negrini Minto, arquiteto, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, membro da Rede Iberoamericana PROTERRA e da Rede TerraBrasil, associado da ABCterra, Professor de projeto da Faculdade São Judas.
Marcio V. Hoffmann, arquiteto e urbanista, mestre em Preservação e Restauração de Patrimônios Históricos pela FAUFBa, membro da Rede Iberoamericana PROTERRA e da Rede TerraBrasil, proprietário da FATO arquitetura e sócio da TAIPAL construções em terra.